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Eric Nepomuceno: Brasil ainda tem medo da verdade


"De qualquer lugar que se olhe, a conclusão é clara: parece que o meu país tem medo da verdade. Não sabe quanta verdade pode aguentar. Prefere ignorar a olhar-se diante do espelho", afirmou nesta quinta-feira (22) o escritor Eric Nepomuceno, em artigo publicado no jornal argentino Página 12 sobre a Comissão da Verdade brasileira. Para ele, na tentativa de buscar um consenso, o governo foi mais condescendente do que seria justo. Assim, em sua visão, formou-se uma comissão por apenas sete membros e "outros esquálidos" 14 funcionários, sem autonomia financeira. O que pode resultar em "um trabalho claramente inviável, a menos que se pretenda uma ação inócua".
Segundo Nepomuceno, o Brasil está distante de seus vizinhos no que se refere a investigação sobre crimes de terrorismo de Estado durante a ditadura (1964-1985). "Uma lei de anistia dos militares, em 1979, absolveu de toda e qualquer responsabilidade os torturadores, violadores e assassinos. Nos últimos anos, houve tentativas de examinar novamente essa anistia, mas sem efeito. Sequer a dura condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), surtiu efeito."
Ele lembrou que, desde que assumiu a Presidênciada República, Dilma Rousseff assegurou que levaria o projeto adiante, "uma das pendências deixadas" pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "que preferiu não enfrentar abertamente os adversários da ideia". Para o escritor, o texto foi "ampla e exaustivamente negociado com a oposição e com os militares, a ponto de ter-se tornado tão vago que quase perde o sentido". Ele citou dois exemplos: a proibição de que se revelem dados e documentos obtidos pela Comissão da Verdade e a possível ausência de um relatório final público. "Mas, apesar de desitratado, é melhor do que nada, melhor do que o hipócrita esquecimento imposto até hoje", afirma.
Nepomuceno reitera que qualquer comparação com outros países sul-americanos é desfavorável ao Brasil. "Já nem digo com a Argentina, país que foi mais fundo no esclarecimento do terrorismo de Estado e com a punição dos responsáveis, mas com outros vizinhos, como Peru e Chile." E acrescenta: "Ao misturar em um mesmo caldeirão etapas democráticas, como as de Juscelino Kubitschek ou João Goulart, com a ferocidade dos períodos dos generais Emilio Garrastazu Médici ou Ernesto Geisel, se corre o risco de não chegar a parte alguma, de desmoralização da ideia".
Mas ele acredita que algo resultará de todo esse esforço, "ainda que não seja mais do que o amargor do fracasso: ter uma comissão de meias verdades".

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Câmara aprova projeto que cria Comissão da Verdade


A Câmara dos Deputados aprovou ontem (21) à noite o projeto de lei do Poder Executivo, que cria a Comissão Nacional da Verdade, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. A comissão tem como objetivo esclarecer os casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1998, o que inclui o período da ditadura militar. Depois de aprovado o regime de urgência para o projeto, requerido pelo deputado Brizola Neto (PDT-RJ), o parecer apresentado pelo relator, deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), foi aprovado de forma simbólica pelos deputados da Casa. O projeto segue agora à apreciação do Senado Federal.
Inicialmente, o relator havia recomendado a aprovação do texto original do governo, mas em virtude das negociações, ele acatou emenda para melhorar o texto e também viabilizar sua aprovação. Segundo Edinho Araújo, a criação da comissão é uma reivindicação histórica da sociedade .
O governo teve que ceder em alguns pontos e acatou emendas do DEM e do PSDB. A emenda do DEM trata de critérios sobre a escolha dos membros da comissão. A emenda do PSDB acatada nas negociações estabelece que qualquer pessoa citada pela comissão ou que queiram esclarecer algum fato pode solicitar ao colegiado para ir prestar esclarecimentos.
A Comissão Nacional da Verdade será composta de sete membros indicados pela presidenta da República, Dilma Rousseff, entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos. Os membros da comissão serão designados com mandato de duração até o término dos trabalhos da comissão, a qual será considerada extinta após a publicação do relatório final.
Nas votações dos destaques, os deputados aprovaram dispositivo do PPS, que determina o envio de todo o acervo apurado ao Arquivo Nacional. Os deputados rejeitaram destaque apresentado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que proibia a denúncia criminal ou aplicação de sanção punitiva de qualquer tipo aos militares que se recusarem a colaborar com a Comissão da Verdade.
Para o deputado Brizola Neto foi o final de uma luta, mas esse passo representa o início do desafio. "Está de parabéns o Brasil que, finalmente, pode ascender ao desassombro que caracteriza a democracia, um regime onde não há fatos que, por princípio, tenham o direito de ser escondidos à sociedade e onde os atos criminosos não possam, sequer, ser submetidos ao Judiciário, para que este, diante deles, reflita se a suposta prescrição pode ser alegada como razão de impunidade."